quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O nascimento de uma nação racista



Israel: um defeito de fabricação
O verdadeiro vencedor da II Guerra Mundial não foi a aliança de nações que combateu a Alemanha nazista, nem mesmo esses EUA robustecidos pela debilitação da Europa e muito menos, desde logo, os milhões de vítimas judias do nazismo: o verdadeiro vencedor da II Guerra Mundial foi o movimento sionista fundado por Theodor Herzl em 1897.

Por isso mesmo, o verdadeiro perdedor do conflito bélico não foi a Alemanha nem o Japão, nem a Itália, nem mesmo a essa URSS condenada a desaparecer 40 anos mais tarde: o verdadeiro perdedor, em conjunto com os milhões de vítimas do holocausto nazista, foi o povo palestino, radicalmente inocente e completamente alheio ao mesmo tempo ao anti-semitismo europeu e às suas lutas interimperialistas. Ignominiosa combinação de interesses espúrios e má consciência, a injustíssima resolução 181 da ONU que em 1947 decidiu a repartição da Palestina conserva hoje toda a sua atualidade destrutiva. Marek Edelman, heróico defensor do gueto de Varsóvia em 1943, soube ver muito bem os motivos: “Se Israel foi criado isso foi graças a um acordo entre a Grã-Bretanha, Estados Unidos e a URSS. Não para expiar os seis milhões de judeus assassinados pela Europa, mas par repartir os negócios do Médio Oriente”. Hoje, todos nós podemos ver os resultados: através dessa pequena ferida está a esvair-se em sangue irremediavelmente o mundo.

O Congresso de Basiléia, ato fundacional do sionismo, foi cedo denunciado por Karl Kraus, judeu universal de Viena, como uma forma de anti-semitismo: “Estas duas forças aspirariam secretamente a uma aliança”, pois “o seu objetivo é, de fato, comum: expulsar os judeus da Europa”. O essencialismo étnico-religioso de Theodor Herzl, em qualquer caso, só persuadiu uma diminuta minoria, como o demonstra o fato de apenas uns poucos milhares de sionistas terem emigrado para a Palestina antes de 1933. Só a convergência de três fatores exteriores à história da região explica a presença de 600.000 judeus no momento da repartição. O primeiro foi a perseguição nazista, que obrigou à fuga de milhões de judeus tanto da Alemanha como das zonas por ela ocupadas. O segundo, a inescrupulosa exploração deste genocídio por parte da organização sionista, mais preocupada em colonizar a Palestina do que em salvar seres humanos: “Se me dessem a possibilidade”, declarou Ben Gurión em 1938, “de salvar todas as crianças judias da Alemanha levando-as para Inglaterra ou salvar só metade transportando-as para Eretz - Israel, optaria pela segunda alternativa”. O terceiro, a cobiça imperialista de Inglaterra, que a partir da declaração Balfour (1917) e mediante uma maquiavélica política migratória soube interpretar a seu favor todas as vantagens da proposta racista de Herzl: “Para a Europa construiremos aí (na Palestina) um pedaço de muralha contra a Ásia, seremos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie”.

Repartição e expansão

Contrariamente ao que julgamos saber, não apenas a justiça palestina se opôs ao princípio da repartição, como também a injustiça sionista. Em 1948, Menahem Beguin, dirigente do grupo terrorista Irgún e futuro prêmio Nobel da Paz, declarava que “a repartição não privará Israel do resto dos territórios”. A 19 de Março desse mesmo ano Ben Gurión, chefe da Haganah e pai-fundador de Israel, insistia em que “o Estado judeu não dependerá da política da ONU mas sim da nossa força militar”. Essa força militar, articulada no plano Dalet, expulsou das suas terras, mediante o terror e a violência, 800.000 palestinos, numa operação de limpeza étnica a grande escala cuja envergadura e objetivo foram claramente expostos pelo historiador israelense Benny Morris (um ultra-sionista que só lamenta, ainda por cima, que Ben Gurión não tivesse sido ainda mais radical). Dessa maneira, a 18 de Maio de 1948 foi criado, sobre 77% do território palestino, o “único Estado democrático” do Médio Oriente, um Estado “judeu” cuja “constituição” é a conhecida Lei do Retorno de 1950. É ela, e não a decência nem a razão nem a história, a que permite o “regresso” à Palestina de qualquer “judeu” do mundo, a partir de uma ambígua definição racial/religiosa que abarca os descendentes de pais ou avós judeus e os convertidos à religião de Moisés (mas exclui os que mudam de credo e os que questionam o caráter “judeu” do Estado de Israel).

Expulsão. A 11 de Julho de 1948, o Exército israelense obrigou a partida dos 19.000 habitantes de Lydda e dos mais de 20.000 palestinos que se tinham refugiado lá. Hoje Lydda chama-se Lod e só 20% da sua população é árabe. 418 povoações ficaram vazias.
Cada vez que Israel bombardeia cidades, levanta muros, derruba oliveiras ou impõe a fome e a doença a milhões de seres humanos, os EUA e a UE, se por vezes lamentam “o desproporcionado uso da força”, lembram uma e outra vez o seu direito a se defenderem. Que ninguém se escandalize se eu disser que é absurdo invocar o seu direito à defesa quando o que está em causa é o seu direito à existência. Cada vez que os EUA e a UE promovem alguma ‘iniciativa de paz’ discute-se sobre o que fazer com os palestinos e o que conceder aos palestinos, como se os intrusos e ocupantes fossem eles. Que ninguém se escandalize se eu disser que a verdadeira questão é saber o que fazemos com os israelenses e o que concedemos aos israelenses. Não pode haver justiça se não se parte de princípios justos e é necessário, portanto, investir nesses princípios que nos parecem absurdamente naturais de alcançar, não já a justiça, mas uma solução minimamente injusta. Estou seguro de que o pragmatismo e a piedade levariam os palestinos a serem generosos com os israelenses se o mundo declarasse publicamente de que lado está a razão e agisse em conseqüência. Mas enquanto os EUA e a UE, únicas chaves do conflito, apoiarem política, econômica e militarmente os direitos do racismo, do fanatismo, do nacionalismo messiânico e a violência colonial, a humanidade continuará a desgraçar-se sem remédio através dessa ferida aberta na Palestina.

Nota de Diagonal: O problema dos refugiados
Depois das expulsões de 800.000 palestinos em 1948, 350.000 em 1967 e do constante fluxo de palestinos que saíram e continuam a sair do país nos últimos 60 anos, o número de refugiados ascende a uns seis milhões. Mais de quatro vivem nos Territórios Ocupados, Jordânia, Líbano e Síria. Mais de um milhão vive em acampamentos de refugiados. E mais de 250.000 são deslocados internos em Israel, os conhecidos como “presentes ausentes”. O regresso dos refugiados, ponto-chave na resolução do conflito e com o apoio da resolução 194 da ONU, é completamente repudiado por Israel.

Texto de Santiago Alba Rico, Diagonal. Tradução de Alexandre Leite para a Tlaxcala.

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